quarta-feira, junho 18, 2008

D’este viver aqui neste papel descripto

Não tenho memória de ter demorado tanto tempo a ler um livro, mas a persistência – ou teimosia, como quiserem chamar – acabou por falar mais alto. Tendo crescido a remexer nas caixas de alumínio que a minha mãe guardava no roupeiro da sala, onde víamos televisão ainda a preto e branco, onde estavam as cartas que os meus pais trocaram quando ele esteve em Angola, assim que soube deste livro acrescentei-o à lista dos ‘a comprar’. No entanto, e apesar daquele lado voyeurista que todos devemos ter, não gostei muito. Até que ponto vale a pena expor assim o amor, mas também o sofrimento? Até que ponto aquela história de amor, e todas as outras, não é íntima e pessoal, digna de ser apenas conhecida e partilhada pelos protagonistas e pela família e amigos e não por toda a gente que lê, e aqui novamente o factor voyeurismo, e que tem o gostinho especial de saber da vida dos outros e das suas desgraças?
Ainda assim, e de entre tantas outras coisas que agora recordo ao percorrer as páginas com os cantos dobrados, achei curiosas as referências a 2000. Num aerograma de Maio de 71, António Lobo Antunes fala no, na altura longíquo, ano de 2000, altura em que a sua filha, ainda por nascer, teria 29 anos. Apesar de ter lido estas cartas no ano passado, dei por mim a recuar no tempo e a lembrar-me da agitação que se vivia com a entrada no novo século, e parece que ainda foi ontem...
Em jeito de despedida, duas citações retiradas do livro que dão para ter uma pequena ideia da genialidade - ou mau feitio, como quiserem chamar – deste grande senhor.
«Lembro-me das histórias que fazia nos livros de capa de oleado das contas da minha mãe, da imensa diarreia de poemas que comecei a fazer a partir dos 13 anos. Por isso, quando digo «se este não prestar não faço mais nada» estou a rir-me de mim próprio. Sei bem que de qualquer modo e qualquer que seja a minha categoria (convém pensar que é a maior) hei-de escrever enquanto essa necessidade inadiável existir comigo.»

«Pode não se gostar do meu modo de escrever, do excesso, talvez, de adjectivos e de advérbios, de enumeração paralela. Pode preferir-se mais concisão. Detestar o absurdo, sei lá. Tudo. A verdade é que este modo é o meu, e me agrada, a mim, ler-me.»