Completamente sedada pelos medicamentos que te deixam como que a pairar nestes dias loucos que não parecem ter fim, em que as perguntas não saem da cabeça e não deixam as respostas – se é que as há – entrar, dizias-me “tenho tanta pena, tenho tanta pena...”. Sem te conseguir ajudar perante o inevitável, deixaste-me completamente alterada. Definitivamente isto não é o que quero para mim. Viver com dúvidas, com questões mal resolvidas como se nesta vida houvesse tempo para orgulhos feridos. Cada vez mais me convenço que tudo é muito fugaz e não temos a verdadeira noção do tempo, que pode ser trapaceiro.
Há mais de um ano que estou a ler as cartas que António Lobo Antunes escreveu à sua mulher enquanto estava na guerra. E se ao início me fez confusão a sua forma de escrita, até então desconhecida para mim, à medida que fui avançando, a estranheza prendia-se sobretudo com a exposição de um amor que se quer, minimamente, resguardado e como se costuma dizer em questões de casamento: entre quatro paredes.
Quando o senhor foi distinguido com o Prémio Camões, foi como que um despertar forçado para chegar ao trabalho a horas. Afinal se já conseguia ler Saramago, qual era o problema com o Lobo Antunes? A verdade é que as recentes, e não poucas, horas semanais passadas no hospital deram um empurrãozinho na sua leitura, que torna a espera bem menos longa. Mas agora, e depois de saber que o senhor está muito doente, a minha sensibilidade alterou-se radicalmente e tenho de me render às evidências de que há mesmo uma altura certa para se ler cada livro.
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Arranja uma grande cama para nela morremos juntos, colados um ao outro, sem que saibamos qual dos nossos dois corpos somos”. Como é que se consegue ficar indiferente a esta frase? A questão da privacidade já nem se coloca, só o amor e mais nada.
E hoje, ao falar contigo, voltei a repensar tudo. Os amigos, a família, o descanso e tudo o resto, que neste momento é muito mais que os primeiros porque o trabalho me consome e me enche de cabelos brancos. Hoje, as minhas certezas de que não é isto que quero, voltaram a reafirmar-se e espero que com elas um novo alento para continuar a ser a mulher presente, a amiga que está ali à mão, a tia que dá uma ajuda com os sobrinhos, a filha refilona e a profissional que sempre me orgulhei de ser.