quarta-feira, abril 25, 2007

Tenho tanta pena

Completamente sedada pelos medicamentos que te deixam como que a pairar nestes dias loucos que não parecem ter fim, em que as perguntas não saem da cabeça e não deixam as respostas – se é que as há – entrar, dizias-me “tenho tanta pena, tenho tanta pena...”. Sem te conseguir ajudar perante o inevitável, deixaste-me completamente alterada. Definitivamente isto não é o que quero para mim. Viver com dúvidas, com questões mal resolvidas como se nesta vida houvesse tempo para orgulhos feridos. Cada vez mais me convenço que tudo é muito fugaz e não temos a verdadeira noção do tempo, que pode ser trapaceiro.
Há mais de um ano que estou a ler as cartas que António Lobo Antunes escreveu à sua mulher enquanto estava na guerra. E se ao início me fez confusão a sua forma de escrita, até então desconhecida para mim, à medida que fui avançando, a estranheza prendia-se sobretudo com a exposição de um amor que se quer, minimamente, resguardado e como se costuma dizer em questões de casamento: entre quatro paredes.
Quando o senhor foi distinguido com o Prémio Camões, foi como que um despertar forçado para chegar ao trabalho a horas. Afinal se já conseguia ler Saramago, qual era o problema com o Lobo Antunes? A verdade é que as recentes, e não poucas, horas semanais passadas no hospital deram um empurrãozinho na sua leitura, que torna a espera bem menos longa. Mas agora, e depois de saber que o senhor está muito doente, a minha sensibilidade alterou-se radicalmente e tenho de me render às evidências de que há mesmo uma altura certa para se ler cada livro.
Arranja uma grande cama para nela morremos juntos, colados um ao outro, sem que saibamos qual dos nossos dois corpos somos”. Como é que se consegue ficar indiferente a esta frase? A questão da privacidade já nem se coloca, só o amor e mais nada.
E hoje, ao falar contigo, voltei a repensar tudo. Os amigos, a família, o descanso e tudo o resto, que neste momento é muito mais que os primeiros porque o trabalho me consome e me enche de cabelos brancos. Hoje, as minhas certezas de que não é isto que quero, voltaram a reafirmar-se e espero que com elas um novo alento para continuar a ser a mulher presente, a amiga que está ali à mão, a tia que dá uma ajuda com os sobrinhos, a filha refilona e a profissional que sempre me orgulhei de ser.

1 comentário:

Anónimo disse...

Agarro-me à sensação de que és omnipresente. Embora não te veja talvez há um mês estás sempre lá!
:)*