segunda-feira, agosto 20, 2007

Velharias

A escada é velha, não tão velha quanto a que nos levou a outras das mais antigas associações de Lisboa. O edifício é igualmente velho, mas também não tão velho quanto as gentes que por ali passaram e que têm tantas histórias para contar. Em frente, o Animatógrafo, com a sua emblemática fachada a transmitir mensagens subliminares: entra, entra… as cortinas de vermelho sangue a esconder o que se quer íntimo, ou vivido numa noite de rambóia com os amigos.
Ao cimo da escada um velho salão a fazer-me viajar até um baile dos anos 60, onde ainda se dançava agarrado, mas àquela distância necessária para manter os limites do pudor da altura. Da mesma altura em que as escapadelas chegadas aos ouvidos das matriarcas faziam com o que o branco dos vestidos de noiva fosse substituído por um incriminatório cinzento. E mesmo ali ao lado, como se não fizesse parte deste filme, a cadeira do barbeiro, tapada por umas cortinas brancas. O pincel gasto do uso, a cabeceira roçada, o espelho a acusar a idade e ao fundo o pedido: barba e cabelo, se faz favor. Seguindo em frente, dois ou três degraus levam-nos a outro patamar, mas a mesa de snooker está coberta e os quadros empoeirados. Afinal, quem por ali ainda passa vai jogar às cartas ou ao dominó, ou partilhar com os amigos histórias que já foram contadas um cento de vezes, mas que ajudam a passar o tempo e a recordar aquilo que fez de nós o que somos hoje. Da mesa à varanda são meia dúzia de passos e daí até o olhar se prender na paisagem única, de fazer esquecer que estamos no meio da capital, é só mesmo um despertar de atenção, chamado por aquele olho que vê tudo pelo canto. Das fotografias que mais gostava, e invejo, ter tirado foi naquela fria varanda de pedra. Apreciar a Praça pelos olhos de quem conhece a cidade como a palma das suas mãos, como tantas vezes diz orgulhosamente, e tantas pessoas ali mesmo ao lado sem terem ideia do que estava em jogo.
E eu que nunca tinha passado aquele arco, que faz esquina com a ourivesaria onde em tempos o único James Bond que se casou, comprou o anel de noivado; nem sabia que o Animatógrafo estava mesmo ali à distância da timidez de um passo, agarrado pelo braço de quem não aconselha; e um pouco mais abaixo, já na Rua de São Julião, a igreja de Maria Madalena que, reza a lenda, foi palco de um milagre de amor, e mal se dá por ela quando passamos apressados entre as compras, o almoço ou a ida para casa. E tanto por descobrir nesta cidade tão linda, cujas “lendas” e espaços emblemáticos teimam em ser esquecidos e deixados ao abandono, como é agora o caso do Grémio Lisbonense que por desavenças entre senhorios e inquilinos tem uma ordem de despejo. É pena.


Notícia aqui

À falta de fotografia do Grémio, a da Igreja de Maria Madalena

2 comentários:

Rafael disse...

Todas as cidades encerram mistérios entre as suas paredes.
Aqui por Setúbal, houve em tempos um livro, que contava todas as lendas da cidade. Mas desapareceu e nunca mais apareceu um igual. Adorava ter esse livro.

Anónimo disse...

olha,

consulta e divulga

www.gremiolisbonense.blogspot.com

lá podes ter acesso a mais informação e tb podes assinar apetição online

obg